Review | Halls of Torment – E se Vampire Survivors fosse lançado em 1999?

Halls of Torment é um daqueles jogos que parecem nascidos de uma nostalgia específica — a dos RPGs de ação sombrios do fim dos anos 90 — e, ao mesmo tempo, da febre recente dos “Survivors-likes”, gênero popularizado por Vampire Survivors. Desenvolvido pelo estúdio alemão Chasing Carrots, o jogo é um híbrido curioso e viciante: mistura o frenesi de massacrar hordas intermináveis de monstros com o planejamento estratégico de construir um personagem forte o bastante para sobreviver até o final da rodada. Desde o primeiro instante, fica clara sua principal inspiração: Diablo — tanto na estética sombria quanto no ritmo, nas escolhas de progressão e na importância do loot.

A narrativa de Halls of Torment é simples, quase alegórica. O jogador controla um herói solitário que entra em um tormento eterno — corredores e masmorras de um inferno povoado por criaturas grotescas e implacáveis. Não há longas cutscenes nem diálogos complexos; a história é contada pela atmosfera.

Cada fase representa um ciclo de luta e morte, no qual o herói tenta resistir o máximo possível, derrotando chefes e coletando recompensas que o ajudarão na próxima incursão. O foco está na repetição, não na narrativa. E isso é proposital: o jogo quer que o jogador sinta o peso da eternidade e da luta sem sentido — o que, paradoxalmente, o torna tematicamente coerente.

É na jogabilidade que Halls of Torment realmente brilha. A estrutura é familiar: escolha uma classe, entre em uma área infestada de inimigos e sobreviva por trinta minutos. A diferença em relação a outros títulos do gênero é o controle manual. No início, o jogador precisa mirar e atacar manualmente, lembrando os RPGs de ação clássicos. É possível ativar o ataque automático — algo que muitos fazem após alguns minutos —, mas a sensação de controle permanece maior do que em outros Survivors-likes. Cada movimento e ataque têm peso e intenção. Morrer por descuido dói mais, porque tudo depende das suas decisões.

O sistema de progressão combina simplicidade e profundidade. Ao derrotar inimigos, o jogador ganha gemas que rendem experiência; subir de nível oferece aprimoramentos de atributos — velocidade, dano, defesa, regeneração, etc. Assim, o foco está em construir uma build coerente, e não em depender da sorte para achar combinações aleatórias. Novas habilidades podem ser encontradas no mapa ou dropadas por inimigos fortes: magias de área, projéteis, escudos temporários e ataques ricocheteantes. Como nem tudo pode ser evoluído ao máximo, o jogo exige escolhas táticas. Excesso de dano e pouca defesa, por exemplo, quase sempre leva à derrota antes do chefe.

As classes dão variedade e personalidade às partidas. O Swordsman é o ponto de partida — equilibrado e ideal para iniciantes. O Archer domina o combate à distância, enquanto o Exterminator, com seu lança-chamas devastador, é o mais carismático. Cada personagem tem particularidades que mudam completamente o ritmo das partidas, exigindo novas estratégias. Parte do prazer vem justamente de experimentar e dominar cada um.

O sistema de loot adiciona uma camada de risco e recompensa. Inimigos poderosos deixam baús com equipamentos — elmos, botas, anéis e armaduras — que oferecem bônus valiosos ou efeitos passivos transformadores. Contudo, esses itens são perdidos ao final da partida, a menos que sejam enviados de volta ao hub através de poços mágicos espalhados pelos mapas. A mecânica é engenhosa, mas pode frustrar quando um crash apaga um progresso valioso.

O resultado é um ciclo de jogo absurdamente viciante. A cada tentativa, há aprendizado: um ajuste na build, uma nova rota, uma tática mais eficiente. O jogo recompensa o planejamento e pune o descuido, equilibrando caos frenético e estratégia meticulosa como poucos.

Visualmente, Halls of Torment é um banquete de nostalgia pixelada. O primeiro cenário, as Haunted Caverns, traz túneis escuros envoltos em neblina, evocando a atmosfera opressiva de Diablo I e II. As texturas granuladas, o fogo e a pedra dominam o cenário, criando um charme retrô propositalmente datado. Os personagens se movem de forma rígida, quase marionética, e os efeitos de luz são sutis — mas tudo isso funciona a favor da estética.

O jogo parece rodar em um PC de 1999, só que com a fluidez e o refinamento técnico dos tempos modernos. A trilha sonora reforça essa imersão: sons graves, melodias sombrias e percussão pesada criam um clima de eterno desespero. É uma homenagem autêntica à era dourada dos ARPGs, pixel por pixel.

Em termos técnicos, Halls of Torment sofre alguns tropeços, especialmente no PS5. Durante as primeiras horas, o jogo roda de forma estável, com taxas de quadro firmes e carregamentos quase instantâneos. No entanto, conforme a sessão se estende — e é comum jogar várias rodadas seguidas, já que cada partida dura cerca de meia hora —, começam os engasgos e quedas de desempenho. Após duas partidas consecutivas, o jogo começa a crashar, o que interrompe o progresso e força o reinício. Embora não chegue a torná-lo injogável, isso quebra o ritmo e frustra quem busca longas maratonas. É um problema que precisa de correção, mas não apaga o brilho do restante da experiência.

Agradecimentos a Chasing Carrots que nos enviou o jogo para a produção do review!

Conclusão

Halls of Torment é, em essência, um tributo moderno à era dos ARPGs clássicos, reimaginado dentro do formato rápido e viciante dos Survivors-likes. Ele combina nostalgia, estratégia e intensidade em doses precisas, oferecendo uma das experiências mais satisfatórias do gênero. Mesmo com seus tropeços técnicos, é o tipo de jogo que faz você pensar: “só mais uma partida” — e, quando percebe, já está há horas preso naquele delicioso tormento infernal.

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