Após o sucesso do remake de Silent Hill 2, a Bloober Team retorna com um projeto original: Cronos: The New Dawn, um jogo de horror sci-fi que aposta em temas como identidade, clonagem e decadência em um mundo fragmentado pelo tempo. Conhecida por jogos de terror psicológico como Layers of Fear e Observer, a desenvolvedora polonesa agora investe em um universo inédito.
A narrativa começa de forma enigmática: assumimos o papel de Traveller, uma figura mascarada que desperta em um sarcófago tecnológico, sem memórias e sob uma constante sensação de vigilância. A ambientação inicial — uma Cracóvia distorcida e em ruínas, onde o tempo parece colapsar sobre si — funciona como um quebra-cabeça sem moldura. O jogador é incentivado a explorar diferentes períodos temporais para descobrir o que levou ao colapso da civilização e entender seu papel nesse processo.
Logo nos primeiros momentos, o jogo entrega um clima de tensão e fragilidade, reforçado pela descoberta de um predecessor falecido — outro Traveller que falhou. Esse tipo de construção narrativa reforça o senso de urgência e falibilidade do protagonista. No entanto, é preciso destacar que o ritmo inicial pode ser excessivamente lento, com poucas respostas e muitas perguntas. Para jogadores acostumados a roteiros mais diretos, essa abordagem pode ser um entrave nas primeiras horas.
Felizmente, a história ganha força com o tempo. A segunda metade do jogo aprofunda as revelações e entrega momentos de grande impacto emocional. É interessante como a trama, que inicialmente parece simples e superficial, vai se expandindo à medida que as “essências” — figuras-chave do enredo — passam a influenciar a protagonista. Isso a leva a questionar não apenas sua missão, mas também a própria natureza de sua existência.
Um aspecto notável é a construção do protagonista. O Traveller começa como uma figura quase abstrata, desprovida de emoções evidentes. No entanto, conforme a narrativa avança, pequenos gestos — como as interações com gatos espalhados pelo mundo, nomeados em homenagem aos pets dos desenvolvedores — revelam traços de humanidade. Essa abordagem sutil enriquece o personagem, aprofunda a imersão e fortalece o vínculo emocional com o mundo do jogo.
No campo da jogabilidade, Cronos: The New Dawn segue a tradição do survival horror, apostando em um ritmo cadenciado, foco na administração de recursos e combate tático. A principal mecânica gira em torno da Sword, uma arma modular que se transforma em diferentes tipos de armamentos — como pistola e espingarda — e oferece dois modos de disparo: rápido, para atordoar, e carregado, para romper defesas. Esse sistema garante versatilidade ao jogador e cria um ritmo tático durante os confrontos.
O destaque vai para o uso do fogo como recurso estratégico. Os inimigos, chamados Orphans, podem se fundir a cadáveres não incinerados, criando versões mais agressivas e mutantes. Essa mecânica de fusão adiciona uma camada de urgência e tensão ao combate, exigindo que o jogador planeje cuidadosamente o uso limitado da tocha. A pressão constante desses encontros, especialmente em ambientes claustrofóbicos, cria uma atmosfera sufocante que combina perfeitamente com a proposta do jogo.
Por outro lado, o combate corpo a corpo decepciona. Com poucas opções de evolução e um sistema de colisão pouco responsivo, essa parte da jogabilidade parece subdesenvolvida, servindo apenas como apoio ocasional ao tiroteio. Além disso, a ausência de mecânicas de defesa — como esquiva, bloqueio ou parry — pode tornar o combate punitivo demais em certos momentos, especialmente para jogadores menos acostumados ao gênero.
A estrutura geral segue os moldes clássicos: salas seguras, estações de salvamento, baús de armazenamento e um sistema robusto de upgrades. Há também um sistema de crafting funcional, que permite criar munição, curas e outros recursos essenciais a partir de materiais coletados pelo mapa. O progresso do armamento é satisfatório, embora a evolução de equipamentos seja um pouco lenta nas primeiras horas.
Visualmente, Cronos: The New Dawn é um espetáculo de atmosfera. A Bloober Team entrega uma distopia marcada por traços europeus — ruas desertas, arquitetura brutalista, ruínas corroídas por elementos orgânicos — em um mundo que parece ser ao mesmo tempo familiar e alienígena. A direção de arte acerta ao misturar concreto, carne e ossos em cenários grotescos, mas belos, refletindo o colapso do tempo e da realidade.
Os ambientes são ricos em detalhes e cheios de elementos culturais. A equipe utilizou objetos reais escaneados de museus da Polônia e fotografias pessoais para dar autenticidade ao mundo, e o resultado é um horror enraizado na memória coletiva, distorcido por uma lente sci-fi. Momentos de contemplação, como áreas em gravidade zero com objetos flutuando, criam uma beleza mórbida que contrasta com a violência dos confrontos.
Os inimigos apresentam bom design, com variações visuais que reforçam a progressão do jogo. Os chefes, em especial, garantem grandes batalhas, tanto do ponto de vista visual quanto mecânico. Ainda assim, vale mencionar que, durante algumas cenas, algumas texturas demoram a aparecer.
Quanto a dublagem, ela é impecável em todos os momentos, potencializa essa virada emocional com atuações que merecem destaque. Além disso, o roteiro sabe exatamente quando entregar cada peça do quebra-cabeça: não há histórias descartáveis ou arcos soltos — tudo é resgatado no momento certo, o que torna a experiência ainda mais recompensadora.
No aspecto técnico, Cronos apresenta uma performance sólida, com tempos de carregamento rápidos e responsividade estável durante a maioria da experiência. O frame rate se mantém consistente na maior parte do tempo, embora algumas quedas pontuais de FPS possam ocorrer nas primeiras áreas do jogo, especialmente em momentos com muitos efeitos visuais simultâneos.
O uso do controle DualSense no PlayStation 5 é um destaque. O feedback tátil contribui significativamente para a imersão, seja nas interações com o ambiente ou durante o uso das armas. O design de som também merece elogios: ruídos mecânicos, estalidos metálicos e os sons perturbadores emitidos pelos Orphans intensificam o desconforto constante. A trilha sonora é discreta, mas eficaz — com poucas faixas, ela deixa espaço para que o som ambiente assuma o protagonismo na criação de tensão.
Agradecimentos a Bloober Team que nos enviou o jogo para a produção do review!
Conclusão
Cronos: The New Dawn é uma experiência atmosférica e ambiciosa que reforça o talento da Bloober Team em criar mundos densos e perturbadores. Com uma narrativa que amadurece ao longo da campanha e um sistema de combate tático que se destaca pelo uso criativo de recursos, o jogo entrega uma jornada memorável. Apesar de limitações no combate corpo a corpo e de um ritmo inicial lento, seu universo original, ambientação marcante e design sonoro envolvente tornam Cronos uma excelente pedida para fãs de horror sci-fi.
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