Wuchang: Fallen Feathers, desenvolvido pela Leenzee e publicado pela 505 Games, é um dos títulos mais marcantes do gênero Soulslike em 2025. A obra não apenas honra as bases deixadas por FromSoftware e outros estúdios, como também propõe inovações profundas em jogabilidade, progressão e ambientação. A protagonista, Wuchang, é uma pirata chinesa amaldiçoada que luta para recuperar suas memórias e reencontrar a irmã desaparecida em meio a uma China dilacerada por guerra e doença. O pano de fundo histórico e mitológico do final da Dinastia Ming é apenas o início de uma jornada que une filosofia oriental, estética sombria e combate técnico.
A trama de Wuchang: Fallen Feathers começa de forma minimalista — a protagonista desperta em uma caverna sem memórias, ouvindo apenas uma voz chamando seu nome. Aos poucos, o jogador descobre que ela foi “Penneada” (Feathered), vítima de uma doença sobrenatural que transforma humanos em criaturas monstruosas. No entanto, Wuchang é uma exceção: embora infectada, ela mantém a consciência e pode canalizar o poder da doença em combate. A jornada é tanto uma busca por redenção quanto uma tentativa de compreender sua própria natureza.
O mundo retrata o declínio da dinastia Ming, com províncias devastadas pela guerra civil, o avanço do cristianismo europeu e o medo do sobrenatural. Fiel à cultura chinesa, o jogo mistura crenças taoístas, medicina tradicional e lendas locais para criar um universo coerente e profundamente imersivo. O enredo é fragmentado, revelado por diálogos sutis, descrições de itens e encontros com NPCs — uma narrativa indireta típica do gênero, mas enriquecida por nuances culturais raramente exploradas em jogos ocidentais.
Em Wuchang: Fallen Feathers, o combate é o coração pulsante da experiência. O jogo segue os fundamentos conhecidos dos Soulslikes — esquiva precisa, gerenciamento de resistência, leitura de padrões e paciência — mas adiciona sistemas originais que estimulam a fluidez, o ritmo e o domínio técnico. O resultado é um sistema de batalha que parece mais uma coreografia de lâminas do que um simples confronto.
O primeiro grande diferencial é o Skyborn Might, uma energia adquirida ao realizar esquivas perfeitas, chamadas de Shimmer. Essa energia pode ser usada para fortalecer ataques, lançar feitiços ou executar habilidades de disciplina — golpes especiais únicos para cada tipo de arma. O sistema cria um ciclo de ação e reação que lembra uma dança: esquivar no instante exato, revidar com ataques leves, trocar de arma no meio da sequência e, por fim, desferir um golpe potenciado. Cada combate se transforma em um exercício de precisão e ritmo, recompensando jogadores que dominam o timing e a leitura do inimigo.
O segundo pilar do jogo é o Impetus Repository, um vasto sistema de progressão em forma de grade, semelhante ao Sphere Grid de Final Fantasy X. Em vez de distribuir pontos fixos, o jogador usa uma substância chamada Red Mercury para evoluir o nível base e obter Essência de Mercúrio Vermelho. Essa essência é então investida na grade para desbloquear nós que melhoram atributos, concedem habilidades ativas ou passivas e até alteram o funcionamento de certas armas.
A liberdade aqui é total: todos os pontos podem ser redefinidos a qualquer momento, sem custo algum. Essa generosidade encoraja a experimentação e elimina o medo de “builds erradas”, permitindo que cada jogador encontre seu próprio estilo.
Complementando a complexidade do combate está o sistema de Loucura (Madness) e o temível Demônio Interior. A Loucura aumenta conforme Wuchang morre ou derrota inimigos específicos, influenciando diretamente a quantidade de Red Mercury perdida ao morrer. Nos níveis baixos, o risco é pequeno; nos altos, o ganho de recursos cresce — mas também o perigo. Ao atingir 100% de Loucura, surge o Demônio Interior, uma versão sombria da protagonista que a persegue até conseguir matá-la. Essa mecânica transforma a tensão psicológica dos Soulslikes em algo tangível, criando uma relação direta entre poder e autodestruição.
Wuchang: Fallen Feathers é desafiador, mas nunca injusto. Ele exige atenção, paciência e curiosidade, oferecendo ferramentas suficientes para superar cada obstáculo.
O maior desafio está na densidade de seus sistemas — Skyborn Might, Madness e Impetus Repository — que precisam ser compreendidos e dominados para que o jogo revele toda sua profundidade. Pode intimidar os iniciantes, mas recompensa quem se dedica com generosidade e satisfação.
Em comparação a outros títulos do gênero, como Lies of P e Wo Long: Fallen Dynasty, Wuchang se destaca por ser mais técnico e cadenciado, menos dependente da força bruta. A fluidez nas trocas de armas e o uso inteligente do Shimmer tornam o combate mais estratégico, quase rítmico.
Não há modos de dificuldade, mas a liberdade de construção e o respec ilimitado tornam o aprendizado mais acessível, permitindo que o jogador encontre seu próprio caminho.
Como boa pirata e guerreira, Wuchang domina uma ampla gama de armas — espadas longas, lanças, machados, lâminas duplas e mais. Cada uma possui animações e combos únicos, e pode ser aprimorada de formas específicas através do Impetus Repository. É possível, por exemplo, aumentar o ganho de Skyborn Might em ataques leves ou adicionar propriedades elementais a lâminas pesadas.
As roupas e acessórios também influenciam diretamente o estilo de jogo. Vestes leves favorecem esquivas rápidas, enquanto armaduras pesadas reduzem o dano físico, mas comprometem a mobilidade. Certos trajes oferecem resistências a veneno, frio ou maldição, incentivando adaptações constantes ao ambiente.
Os chefes seguem a tradição do gênero: imponentes, brutais e cheios de personalidade. Inspirados na mitologia chinesa e no tema da Feathering, muitos misturam traços humanos e animais — guerreiros demoníacos cobertos de penas, sacerdotes enlouquecidos, criaturas deformadas pela doença. Cada confronto exige domínio do Shimmer e do Skyborn Might, com lutas que frequentemente se desdobram em múltiplas fases, alternando entre ataques físicos e mágicos. Visualmente, são espetaculares: detalhes em tecidos rasgados, armaduras ornamentadas e expressões que transitam entre a dor e a fúria.
O mundo de Wuchang segue a tradição dos cenários interconectados, mas aposta em maior verticalidade e variedade ambiental. O jogador atravessa florestas enevoadas, templos em ruínas, vilas devastadas e montanhas cobertas de neve — cada região com transições orgânicas, atalhos e passagens secretas.
A exploração é sempre recompensadora, seja com tesouros, fragmentos de história ou desafios opcionais que testam a coragem do jogador.
Um dos toques mais marcantes está no sistema de Santuários — pontos de descanso e progresso. Para ativá-los, Wuchang corta a própria mão e deixa o sangue escorrer sobre o altar, um gesto simbólico de sacrifício. O jogador pode apenas acessar o menu de melhorias (sem reviver inimigos) ou escolher “entrar no sonho”, o que restaura vida e recursos, mas faz todos os oponentes retornarem. Esse controle sobre o ciclo de risco e recompensa é um detalhe brilhante que altera o ritmo da exploração.
As missões secundárias são discretas, mas significativas. NPCs espalhados pelo mundo pedem ajuda, vendem itens e compartilham fragmentos da narrativa. Muitos reagem ao progresso do jogador, reconhecendo suas vitórias ou temendo sua condição de Feathered.
As decisões tomadas podem alterar o destino desses personagens, ainda que o tom geral permaneça melancólico — nem todos podem ser salvos, e a tragédia é uma constante companheira.
Visualmente, o jogo é um espetáculo. A engine usada pela Leenzee oferece iluminação volumétrica, texturas detalhadas e efeitos climáticos impressionantes. A paleta de cores varia entre tons frios e melancólicos nas montanhas e matas, e cores quentes e saturadas em vilas incendiadas ou templos dourados. O design dos personagens mistura realismo histórico com toques sobrenaturais, criando uma estética que lembra pinturas tradicionais chinesas em movimento.
O desempenho, no entanto, não é perfeito. No PlayStation 5, há relatos de quedas de taxa de quadros nas áreas iniciais e leves travamentos durante transições rápidas de mapa. Nas fases posteriores, a estabilidade melhora significativamente, sugerindo que futuras atualizações devem corrigir esses problemas. Mesmo assim, o jogo mantém alta qualidade visual sem comprometer a jogabilidade.
A trilha sonora é discreta, baseada em instrumentos chineses tradicionais como o guzheng e o erhu, misturados com percussão intensa em batalhas. Os efeitos sonoros das armas e feitiços são nítidos, e o design de áudio reforça a atmosfera de solidão e tensão. O destaque vai para a dublagem em chinês e inglês, ambas de alto nível — um feito raro em produções bilíngues desse porte.
Agradecimentos a 505 Games que nos enviou o jogo para a produção do review!
Conclusão
Wuchang: Fallen Feathers é mais do que um Soulslike ambientado na China antiga — é uma reinvenção do gênero. Sua protagonista feminina, o enredo culturalmente rico e os sistemas inovadores o tornam uma das experiências mais originais da geração. Apesar de pequenas falhas técnicas e uma curva de aprendizado íngreme, o jogo recompensa o esforço com combates elegantes, exploração recompensadora e uma profundidade mecânica rara.















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